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Econometria, praxeologia e porque economistas não deveriam fazer previsões

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Econometria, praxeologia e porque economistas não deveriam fazer previsões Empty Econometria, praxeologia e porque economistas não deveriam fazer previsões

Mensagem por lais_sezfaire Qui Jan 21, 2021 1:59 pm

Resumo: Das diversas missões do estudo da economia a capacidade de previsão é uma das mais cotadas, sendo essencial para a determinação de iniciativas públicas e hipóteses a partir da observação empírica das manifestações da economia. Esse artigo objetiva elucidar os principais motivos pelos quais um economista não deveria fazer previsões através da econometria sob um ponto de vista praxeológico.

Palavras-chave: Econometria. Praxeologia. Previsões.

1. Introdução

O anseio de prever o futuro não é recente. No âmbito das ciências econômicas, apesar de se distanciar um tanto das outras análises de realidade, profissionais buscam a capacidade de tecer estimações e chegar o mais perto possível do futuro, responsável por dizer se nossas medidas econômicas e políticas governamentais foram o suficiente para contornar todas as externalidades. Mas essa possibilidade de fato existe? Seriam suficientes os métodos econométricos para desenhar com eficiência o destino a qual estamos sendo levados pelas intercorrências dos fenômenos econômicos?

Como é observado por França e Lucena (2009, página 2), Karl Marx ressaltava a importância de “descobrir as leis dos fenômenos, [...] captar, detalhadamente as articulações dos problemas em estudo, analisar as evoluções, rastrear as conexões sobre os fenômenos que os envolvem” em detrimento do método engessado do empirismo, mostrando que investigar a economia como uma ciência natural tem seus equívocos expostos desde a dialética. O debate a qual devemos nos atentar é, portanto, epistemológico, já que a persistência do pragmatismo positivista acaba por resumir uma investigação de princípios ao mero consequencialismo.

2. Deficiências da econometria como método de previsão

A mais frequente forma de análise dos fenômenos econômicos se dá através da econometria, ramo que pretende apurar a relação das variáveis econômicas a partir de sua aplicabilidade em modelos matemáticos. Essa disciplina conta com diversas ferramentas estatísticas as quais prometem modelar a realidade e contribuir para a tomada de decisão em longo prazo de instituições públicas ou empresas privadas. Para o trabalho de um profissional dessa natureza não é necessário apenas um arcabouço teórico colossal, mas a capacidade de incorporar às variáveis de uma modelagem todas as peculiaridades reais à que elas estão submetidas.

Não é, de certo, minha intenção desacreditar da capacidade dos profissionais dessa área, mas, na minha concepção, é de suma importância que consigamos entender o quanto o trabalho de um economista que pretende preencher lacunas matemáticas com particularidades de um fenômeno essencialmente humano é limitado, afinal, a estatística “apenas registra o padrão em constante mudança de fatos particulares” (ROTHBARD, 1973, p. 11). É muito provável que, na tentativa de se empregar objetividade, as análises excluam, ignorem e mantenham constantes variáveis que têm papeis decisivos em um acontecimento, resumindo-as em notas de rodapé, já que, “as não linearidades fundamentais conectadas com mudanças genuínas de regime e que ‘não são encontradas nos dados’ têm de ser tratados de uma forma essencialmente discricionária”, como explicou o diretor do Banco da Itália, Ignazio Visco, em 2009.

Quando os dados macroeconômicos agregados, como o PIB, são descritos a partir de uma série de manobras estatísticas, que consideram uma quantidade limitada de fatores endógenos e exógenos a partir das teorias, é fácil dizer que seu resultado é, de fato, uma aproximação quase perfeita da realidade, mas a questão mais importante é se isso seria, em algum cenário não apenas hipotético, o suficiente para a construção de políticas públicas se essas são capazes de estarem incorretas e enviesadas.

3. A crise de 2008

Para exemplificar todas as constatações expostas na seção anterior, é válido entender como a econometria sendo base da elaboração de políticas públicas pode se tornar uma catalizadora de desastres.

O início da década foi marcado por mudanças significativas no modo de produção e no consumo a partir das novidades tecnológicas em ascensão — período designado como “Nova Economia”, financiado principalmente por um novo tipo de sistema de crédito de alta liquidez “em que os empréstimos concedidos eram rapidamente transformados em outros produtos financeiros tendo esses empréstimos como garantia e vendidos no mercado” (VISCO, 2009, p. 4), barateando o custo dos empréstimos e expandindo o crédito gratuitamente. Essa distorção criou uma série de ativos opacos (quando a informação de seus retornos é inacessível ou inexistente) que pareciam confiáveis e rentáveis para seus potenciais cotistas a partir de análises estatísticas que sequer se sustentavam.

Essa expansão fez com que os Estados Unidos se vissem em um cenário o qual eram financiados diretamente pelo superávit na conta corrente de países em desenvolvimento (e até emergentes), ressaltando a realidade paradoxal a que estavam submetidos. Apesar de haver registros de debates e workshops relacionados a essa nova circunstância, os economistas viviam um período denominado “Grande Moderação”: já que observaram que os efeitos do infeliz episódio de 11 de setembro de 2001 e do rompimento da Bolha da Internet tinham sido superados com rapidez, o otimismo em relação à capacidade da economia de superar choques econômicos no geral fez com que os avisos em relação à diminuição constante da taxa de juros e a alta maleabilidade dos ativos financeiros não passassem de alarmismo científico — e a política expansionista continuou.

Com o consumo e investimento facilitados as oportunidades de inovações financeiras deram novas conveniências aos bancos, como a chamada “reembalagem” de hipotecas, “[diminuindo] o risco e [atraindo] o financiamento até para as hipotecas mais arriscadas a um custo menor”, como observou Vinícius Torres Freire em 2007. Mas a inadimplência não era tão pequena como disseram as autoridades, ela crescia cada vez mais. A solução encontrada foi a procura de investidores internacionais com perfil de investimentos arriscado para securitização não só do mercado de hipotecas, mas de commodities em geral (petróleo, gás e até ouro), compartilhando os infortúnios estadunidenses com o restante do mundo todo.

Como já foi dito anteriormente, sendo a econometria um método de modelagem que pretende estender padrões do passado ao presente, fica claro que sua estratégia depende de, no mínimo, de uma estabilidade, no mínimo, frequente em seu objeto de estudo. No entanto, já é mais do que explícito que a natureza dos fenômenos econômicos não é estável, mas fragmentária, e não possui em suas variáveis a linearidade suficiente para uma análise precisa, ainda mais de um caso sem precedentes, como explicou Visco:

Esta limitação reflete um aspecto mais geral característico da análise quantitativa dos fenômenos econômicos: a dificuldade de fazer inferências estatísticas de dados que não são o resultado de experimentos projetados e controlados pelo pesquisador. Condições excepcionais não podem ser recriadas à vontade, no laboratório, para fins cognitivos; nossa experiência será sempre limitada, parcial e episódica. (VISCO, 2009, p. 18)

4. Praxeologia como método

A escola clássica de economia trouxe consigo todo positivismo imerso em matemática e infinitas metodologias dispostas a trazer certezas em todos os campos do conhecimento. Só que a ortodoxia e sua mínima disposição intelectual ignoram por completo até os dias de hoje que um dos passos primordiais do conhecimento científico a partir do empirismo se dá através de testes consecutivos com população inalterada. Então, teoricamente, se pretendemos estudar a crise de 2008 a partir dessa metodologia, deveríamos possuir exatamente as mesmas circunstâncias (demográficas, financeiras, tecnológicas, contexto político, histórico e social) e realizar infinitos experimentos; só assim entenderíamos o que se passou e aprenderíamos como evitar novas crises.

Como se já não fosse ruim o suficiente estarmos presos a uma metodologia que não cabe aos eventos econômicos, a ortodoxia é incapaz de admitir erros — não só pela soberba, mas por uma falha metodológica mesmo. Ora, se não podemos realizar testes consecutivos para provar que uma medida keynesiana, por exemplo, seria ideal para determinada ocasião antes de todas as instituições responsáveis pela política monetária absorverem a ideia, a que se dariam os erros se depois de sua implementação a expansão não resolvesse todos os problemas? Aqui entramos em um ponto ainda mais importante sobre o viés positivista e a sustentação de uma economia mainstream baseada na manutenção de uma oligarquia. A subordinação do conhecimento a uma dinâmica restrita de poder pode, muitas vezes, ignorar o que é necessário para fazer perdurar o que convém. Essa alienação científica é ainda pior quando nos colocamos em um contexto de coerção estatal, já que a conclusão de um cientista não depende apenas da verdade absoluta, mas de onde quer se chegar com ela.

E nessa defesa importante da praxeologia, o ponto principal é o método apriorístico que a sustenta. Um princípio fundamental, a partir das conclusões kantianas, é definido por uma proposição auto evidente que, se negada, leva o interlocutor a contradição infinita. Para o esclarecimento do meu ponto de vista anti positivista, esclareço que, na visão praxeológica, o alcance de princípios como esses (os quais denominamos axiomas) é a maneira mais eficiente de se atingir um conhecimento que depende da ação humana. Aliás, é através dela que derivamos nosso primeiro axioma: o homem age. Mas ele não age como qualquer átomo disposto aleatoriamente no universo para um fim biológico, físico ou químico; o ser humano age com intencionalidade, tendo perfeita consciência de que precisa escolher entre meios escassos se estiver disposto a atingir um fim que o trará mais satisfação.

Ademais, o praxeologista se recusa a determinar características quantitativas para um fenômeno econômico. Se é fato que alterações na demanda afetam a produção, não é responsabilidade do cientista econômico definir nada mais do que isso porque seu objeto de estudo não é um átomo; seres humanos mudam de opinião o tempo todo. Como exemplifica Rothbard (1973, p. 7): “Mesmo que uma equação gigantesca pudesse ser descoberta para ‘explicar’ todos os preços registrados de manteiga nos últimos 50 anos, não há garantia, e nem mesmo a probabilidade, de que a equação teria algo a ver com o preço do próximo mês”, o que nós acabamos de comprovar na seção anterior.

Por fim, o tempo é um dos fatores mais importantes no estudo da praxeologia. A preferência temporal de um indivíduo vai determinar sua ação a partir do tempo disponível e necessário para que um fim possa ser atingido. Um indivíduo que age não vai se atentar ao passado, mas se preocupar essencialmente com os meios disponíveis para ele no presente — portanto, a origem dos meios não importa. Com essa constatação, estendemos a preferência temporal para os modos de produção do sistema capitalista: um capitalista, abrindo mão de seus bens de consumo acumulados no presente em uma aplicação visando retornos futuros, tem uma preferência temporal mais elástica que o trabalhador, que prefere ter a remuneração em troca de sua força de trabalho no presente. São dois agentes com papéis diferentes no processo produtivo.

5. Conclusão

Todas as seções acima pretendiam elucidar a razão pela qual um cientista econômico não tem que, necessariamente, ser um transgressor capaz de alterar o percurso natural das coisas que o cercam. Não só pelo fato de existirem muitas tentativas falhas de previsão, mas também pela natureza do nosso objeto de estudo, nosso trabalho é essencialmente teórico e incapaz de tecer com certeza como nossas teorias se dão de forma prática, principalmente quando essas conclusões terminam na elaboração de políticas públicas capazes de destroçar a maior economia do mundo.

Apesar de subestimada, a praxeologia como método não é só um manifesto contrário ao positivismo e todos os malefícios trazidos com ele para o conhecimento científico, mas uma declaração explícita de que os fenômenos econômicos independem das intenções externas de um Estado. Eles se manifestam naturalmente, sem qualquer viés além da própria intenção dos indivíduos, e os conflitos existem unicamente por esse motivo: existem indivíduos que pretendem atingir fins através do mesmo meio. Mas a escassez não é nada além de uma condição natural intrínseca aos meios e tentar mudá-la artificialmente só faz com que as distorções perdurem, prejudicando a capacidade de escolha de meios de um indivíduo.

6. Referências

DE FRANÇA, Polyana Imolesi Silveira; LUCENA, Carlos Alberto. O materialismo histórico-dialético e a precarização do trabalho na educação superior brasileira. Revista da Rede de Estudos do Trabalho, n. 5, p. 1-27, 2009.

ROTHBARD, Murray N. Praxeology as the Method of the Social Sciences. Phenomenology and the social sciences, v. 2, p. 323-335, 1973.

VISCO, Ignazio. The financial crisis and economists’ forecasts. BIS Review, v. 49, p. 26-47, 2009.

PEREIRA, Luciano Lima. Mecanismos da crise financeira. Administradores.com, 16 de outubro de 2008. Disponível em [Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link] Acesso em 29 de nov. de 2020.

FREIRE, Vinícius Torres. O lucro de um Bradesco vira pó nos EUA. Folha de São Paulo, 06 de novembro de 2007. Disponível em [Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link] Acesso em 29 de nov. de 2020.
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Mensagem por Admin - Alucard Qui Jan 21, 2021 10:08 pm

Muito bom
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